sexta-feira, 9 de abril de 2010

Double John " Fantasy" - monólogo interior sobre John Fante.

" Não há Deus, que nos perdôoe, para nós não há futuro!"



Visceral. Não há palavra mais certa do que essa para sintetizar de maneira completa a prosa poética produzida por Fante. Sua escrita provém diretamente das profundezas do coração, suas obras são o reflexo máximo que temos de como a miséria e a brutalidade de um cotidiano opressor minimiza aqueles cujas vidas estao inseridas nessa realidade, transformando seus sonhos em distantes suspiros de esperança.

Fante viveu nessa miséria e sobreviveu a ela, de maneira que suas obras possuem alto teor autobiográfico, são o resumo de suas vivências e sonhos juvenis, que discorrem sobre como o ambiente devorado pela pobreza e falta de perspectivas esfacela os sonhos das pessoas que se sujeitavam a uma rotina fustigante de trabalho para poderem manter um longínquo sonho vivo. Nessa realidade, o ato de escrever era um momento de fuga, de dar voz as angústias e fúria interna que são acobertadas, engolidas diariamente.

Mas Fante não é nem de longe apenas um escritor meramente "social".

Sua prosa é ampla e plural *( ver abaixo) . Fante trata com magistralidade assuntos como a hipocrisia da sociedade mesquinha norte americana, inclusive retratando os ricos ignorantes que compõe a esfera social superior. É comum encontramos momentos de arrogância por parte de seu Alter -Ego, quando sufocado pela trabalho ou pelo desprezo do patrão, desata a falar sobre Niesztche, evidenciando a reflexão e o diálogo com uma das referências de Fante, sobre a validade da civilização ocidental, bem como a maneira que os seres humanos relacionam-se na sociedade. O desprezo e o desrespeito ao qual somos tratados diariamente por outros semelhantes é desesperador, e Bandini/ Molise sabe disso; sua vida é insignificante para outras pessoas, seus problemas não são humanos, são apenas um diagnóstico psciológico( como esquecer Dorothy em 1933 tratando Molise como Paciente, não como um amigo que nunca será?)

O egoísmo e a solidão são também temas frequêntes, bem como as emoções desencadeadas por isso. Aliás, se há uma coisa que mudou em minha vida após ter lido seus livros foi não ter medo das emoções, de expressar-me, mesmo que da maneira mais caótica e violenta possível. Fante trata sobre emoções sem medo. Em " Caminho de Los Angeles" temos uma cena lindíssima: Bandini estendido dentro do guarda roupas, sem amigos nem mulheres , rendido em sua falta de esperança, solidão, angústia, cansaço e raiva, chorando e rasgando os vestidos da irmã.

Fante também é multiétnico e multicultural: filho de imigrantes italianos, marginalizados da sociedade e em eterno conflito entre a cultura de seus pais e do país em que morava. Este é um dos pontos mais fortes de sua obra, inclusive aquela tratada com mais consideração por Paulo Leminski( multicultural também) e curiosamente esquecida por muitos. Talvez apenas pessoas que convivem com esse dilema conseguem entender a pluralidade e profundeza dessa questão.

A Misc in Scene Fantiniana também é riquíssima. Los Angeles é fielmente traduzida e representada, o tédio e solidão da vida urbana e como aquilo nos faz sentirmos ora bem ora mal possui momentos únicos, bem como os personagens bizarros, fragmentos de indivíduos e vidas espalhadas pelas empoeiradas e frias ruas. O legado do romance undeground, com bares e hotéis decadentes, a soturna e evanescente noite com os seres que ali encontram sua moradia, como prostitutas, bêbados e pessoas das mais direntes estirpes, as longas caminhadas pelo centro em busca da inspiração ou a simplesmente à procura do nada, tudo o que compõe a atmosfera do "submundo" beat que Fante também descreveu de maneira não menos que belíssima.

E, acima de tudo , Fante permanece atual, por mais que a questão economica e social na qual sua narrativa é inserida, relatando os bairros pobres de imigrantes italianos e mexicanos e a miséria subconsequente do esfalcelamento economico dos EUA pela crise de 1930, seja um bocado diferente. Afinal, juntamente com a brutalidade do cotidiano, ainda somos tratados como lixo e escória pela respeitosa sociedade vitoriosa, somos desprezados , nossos rostos e nomes são insignificantes, camuflando-se em meio da multidão de formigas operárias.


Terapia diária: nos momentos mais desperadores, lembro-me de da garota de casaco púrpura, das noites entediantes e cheias de Los Angeles, da fuga do interior frio do Colorado rumo ao sonho de ouro, falo com Kenny sobre a merda do tédio desta cidade. Revolta maior do que Fante, nunca li na minha vida. Por sorte encontrei um livro que desafoga as angústias que também sinto e que por causa disso nunca fui compreendido.

Desde aquele dia, em que comecei a leitura de " Caminho de los Angeles" Ganhei um irmão de declínio.

Arturo/ Molise/Fante é meu irmão de declínio.

Obrigado, Fante.

E me perdooe a falta de destreza para escrever em melhores palavras aquilo que você soube medir, sem mais nem menos a acrescentar.

*Inclusive isso é algo curioso em relação as discussões que tive com outros leitores assíduos: como Fante marca cada um pessoalmente em um determinado âmbito, mas sempre em alguma convergência: alguns preferem a parte social, outros a multiétnica, outros o retrato undeground de los angeles, outros a solidão dilacerante que é tema frequente em suas obras.... cada um de sua maneira absorve aquilo que mais lhe faz sentido, mas aceitando a grande variedade de temas que ele oferece. Sinto que certos autores acabam sendo marcados por determinada característica que mais sobressai em relação a outras. Talvez a isso se deve não tão somente a indiscutível qualidae de sua obra, mas também ao fato de que há poucas discussões sobre Fante em literatura portuguesa e até mesmo na vida acadêmica, por mais que seja um artista de vanguarda. Presenciei isso quando conversei com pessoas do instituto de linguagem da minha universidade: Fante é clássico e não se faz trabalhos acadêmicos sobre ele. Pudera, imagino que a grande dose de conceitualização e irrelevância dos medíocres acadêmicos iria tornar Fante uma pasta insignificante. De acordo com Paulo Leminski, porém, Fante também era um grande escritor no que diz respeito ao âmbito estilístico.

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